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21/11/2024
Leia João 18.28-40
Esses versículos contêm quatro assuntos notáveis que se encontram somente nessa narrativa da paixão de Cristo. Sem dúvida, há bons motivos para Mateus, Marcos e Lucas não terem sido inspirados a relatar tais assuntos. Mas esses são profundamente interessantes, e devemos ser gratos a Deus por terem sido narrados por João.
O primeiro assunto que notamos é a falsa consciência dos perversos inimigos de nosso Senhor. Somos informados de que os judeus, depois de levarem Jesus até Pilatos, não entraram na sala do julgamento. Isso aconteceu "para não se contaminarem, mas poderem comer a Páscoa". De fato, isso revelava escrupulosidade! Esses homens de coração endurecido estavam envolvidos na prática da maior impiedade que os homens mortais já cometeram. Queriam assassinar seu próprio Messias. Contudo, nessa mesma ocasião, falavam sobre a possibilidade de se contaminar e, em especial, sobre comer a Páscoa!
A consciência de uma pessoa não convertida é um aspecto bastante curioso de sua natureza moral. Enquanto, em alguns casos, ela se torna endurecida, cauterizada e morta, a ponto de não sentir mais nada, em outros torna-se escrupulosa acerca de coisas espirituais menores. É comum encontrarmos pessoas que são excessivamente zelosas a respeito de procedimentos insignificantes e cerimônias exteriores, enquanto são escravas de pecados degradantes e de detestável imoralidade. Ladrões e assassinos de alguns países são extremamente zelosos no que se refere a confissão, absolvição e rezas aos santos. Jejum e proibições que as pessoas impõem sobre si mesmas, durante a Quaresma, geralmente seguem-se de excessos de impiedade quando a Páscoa termina. Da Quaresma ao carnaval, há apenas um passo. Aqueles que assistem às missas pela manhã frequentemente são responsáveis por bailes e festas à noite. Todos esses são sintomas de enfermidade espiritual e de um coração profundamente insatisfeito. Os homens que se reconhecem errados em um aspecto de suas vidas esforçam-se para fazer coisas certas, com excesso de zelo, em outro aspecto de suas vidas. Esse tipo de zelo resulta na própria condenação deles.
Oremos para que nossas mentes sejam sempre iluminadas pelo Espírito Santo e nós sejamos guardados de um cristianismo deformado, que se expressa apenas em determinado aspecto. É bastante suspeita uma religião que leva o homem a negligenciar os assuntos mais importantes da santidade diária e da separação do mundo e a concentrar toda a sua atenção em formas, sacramentos, cerimônias públicas. Essa espécie de religião pode ser acompanhada de intensos zelo e dedicação, mas não é correta aos olhos de Deus. Os fariseus davam o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas negligenciavam os preceitos mais importantes da Lei: "a justiça, a misericórdia e a fé" (Mt 23.23). Os mesmos judeus que anelavam matar o Senhor Jesus temiam contaminar-se na sala de julgamento de uma autoridade romana e esforçavam-se muito para observar a Páscoa!
Enquanto estamos neste mundo, a conduta desses homens deve servir de alerta para os verdadeiros crentes. É indigna a religião que não nos leva a dizer: "Tenho, em tudo, como retos os teus preceitos todos e aborreço todo caminho de falsidade" (SI 119.128). É indigno o cristianismo que impulsiona as pessoas a fazerem acordos que desprezam a essência da doutrina cristã e a prática da santidade, por causa de cerimônias extravagantes ou de ritos exteriores estabelecidos por homens.
O segundo assunto que devemos notar nesses versículos é a descrição que o Senhor Jesus fez de seu próprio reino. Ele disse: "O meu reino não é deste mundo". Essas famosas palavras têm sido pervertidas e espoliadas de seu verdadeiro sentido, e seu significado está quase sepultado sob um monte de falsas interpretações. Estejamos certos de que sabemos seu verdadeiro significado.
O principal objetivo de nosso Senhor ao dizer "O meu reino não é deste mundo" era informar a Pilatos a verdadeira natureza de seu reino e corrigir qualquer falsa impressão que ele poderia ter recebido dos judeus. Jesus disse a Pilatos que não viera para estabelecer um reino que interferisse no governo romano. Ele não almejava o estabelecimento de um domínio temporal, que seria preservado por meio de soldados e mantido por impostos. Seu único domínio seria no coração dos homens, e as armas de seus súditos seriam espirituais. Um reino que não exigiria dinheiro ou soldados para mantê-lo era um reino que as autoridades romanas não precisavam temer; em sentido mais amplo, não era um reino "deste mundo".
Entretanto, nosso Senhor não tencionava ensinar que os reis deste mundo devam manter-se afastados dos assuntos religiosos, ignorando Deus completamente em suas atividades governamentais. Essa ideia, podemos ter certeza, não estava na mente de Jesus. Ele sabia com exatidão: "Por meu intermédio, reinam os reis" (Pv 8.15), e o que se exige dos reis, mais do que de seus súditos, é que usem sua influência para promover as coisas de Deus. Jesus sabia que a prosperidade de um reino terreno depende completamente da bênção de Deus e que as autoridades governamentais têm a obrigação de encorajar seus compatriotas à justiça e à piedade, assim como têm o dever de punir a injustiça e a imoralidade. É absurdo supor que ele pretendia dizer a Pilatos que, em sua avaliação, um incrédulo pode ser tão bom governante quanto um cristão e que homens como Gálio podem ser tão bons administradores quanto Davi e Salomão.
Nestes últimos dias, devemos afirmar com bastante cuidado o verdadeiro significado dessas palavras de nosso Senhor. Jamais nos envergonhemos de proclamar que nenhum governo deve esperar prosperidade se não reconhece a vida espiritual, lida com seus súditos como se estes não tivessem alma e não se preocupa se eles servem a Deus, a Baal ou a algum outro deus. Tal governo descobrirá, mais cedo ou mais tarde, que esse tipo de política é suicida e prejudicial aos seus melhores interesses. Sem dúvida, os governantes deste mundo não podem fazer com que as pessoas se tornem cristãs por meio de leis e regimentos, mas podem encorajar e apoiar o cristianismo, e farão isso, se forem sábios. O país no qual há muito trabalho, temperança, verdade e honestidade será o mais próspero de todos. O governo que deseja ver essas coisas em abundância entre seus cidadãos deveria empenhar-se ao máximo para promover o verdadeiro cristianismo. O terceiro assunto que devemos notar nesses versículos é a maneira como o Senhor Jesus descreveu sua missão. Ele disse: "Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade". Evidentemente, não devemos supor que esse era o único objetivo da missão de nosso Senhor. Sem dúvida, ele se referia, de maneira especial, ao que estava se passando na mente de Pilatos. Ele não viera para conquistar um reino por meio de espada e conseguir adeptos e seguidores por meio da força. Sua única arma era a "verdade". O grande propósito do ministério de Jesus era testificar aos pecadores a verdade sobre Deus, o pecado, a necessidade de um Redentor e a natureza da santificação. Ele veio para ser uma testemunha de Deus a um mundo corrupto e perdido; não evitou declarar ao orgulhoso governador romano que o mundo necessitava desse testemunho. Paulo também tinha isso em mente quando escreveu a Timóteo que "Cristo Jesus (...) diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão" (1Tm 6.13).
Os servos de Cristo constantemente têm de lembrar que a atitude de nosso Senhor, nessa ocasião, destinava-se a servir de exemplo para eles. Assim como Jesus, somos testemunhas da verdade de Deus, o sal no meio da corrupção, a luz no meio das trevas, homens e mulheres que não temem permanecer sozinhos, por amor a Deus, falando contra o caminho de pecado dos homens e contra o mundo. Fazer isso pode colocarnos em muitas dificuldades e até mesmo em perseguição. Mas é nosso inquestionável dever. Se amamos a vida, se desejamos ter boa consciência e ser reconhecidos por Cristo no último dia, nosso dever é ser testemunhas. Está escrito: "Qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos" (Mc 8.38).
O último assunto que devemos notar nesses versículos é a indagação de Pôncio Pilatos dirigida a nosso Senhor. Somos informados de que, após nosso Senhor ter falado sobre a verdade, Pilatos indagou: "Que é a verdade?". Não sabemos por que ele fez essa pergunta, e a narrativa não deixa claro se ele esperava uma resposta. É mais provável que essas palavras fossem uma sarcástica e desdenhosa exclamação de que ele não acreditava existir tal coisa como "a verdade". Parece a linguagem de alguém que, desde a juventude, ouvira tantas especulações vazias dos filósofos gregos e romanos sobre "a verdade", a ponto de duvidar de que essa realmente existia - "Oue é a verdade?".
Ainda que isso pareça melancólico, há muitas pessoas em países chamados cristãos cuja situação espiritual é semelhante à de Pilatos. Receamos que existam milhares de pessoas, entre as classes mais esclarecidas, que constantemente se desculpam de sua irreligiosidade argumentando, à semelhança de Pilatos, que não são capazes de descobrir o "que é a verdade". Mencionam a interminável controvérsia entre católicos e evangélicos, eclesiásticos e leigos, leigos e dissidentes, pretendendo dizer com isso que não entendem quem está certo e quem está errado. Refugiados nessa falsa desculpa, eles passam toda a sua vida e, nessa infeliz e desagradável situação, morrem.
É realmente correto que a verdade não pode ser conhecida? Absolutamente, não! Deus jamais deixou sem luz qualquer pessoa que, com sinceridade e diligência, busca a verdade. O orgulho é um dos motivos por que muitos não conseguem descobri-la, pois não se prostram nem suplicam que Deus lhes ensine a verdade. A negligência é outro motivo. Eles realmente não se esforçam nem examinam a Biblia. Os infelizes seguidores de Pilatos geralmente não utilizam sinceridade e retidão ao lidar com suas consciências. A pergunta favorita deles - "Que é a verdade?" - é apenas um pretexto e uma desculpa. As palavras de Salomão sempre serão comprovadas como verdadeiras: "Se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então entenderás o temor do SENHOR e acharás o conhecimento de Deus" (Pv2.4-5). Nenhum homem que seguiu esse conselho errou o caminho do céu.
Leituras diárias compiladas para o Ministério das Mulheres IESBR por Sónia Ramos
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